O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está pedindo a anulação da compra de uma fazenda localizada na região entre o Amazonas e o Acre pela madeireira Agrocortex, controlada por um grupo europeu formado por espanhóis e portugueses. Segundo o Incra, a fazenda, que realiza a exportação de madeiras nobres como mogno e cedro, possui uma área superior ao tamanho da cidade de São Paulo. Conforme a instituição, o negócio foi realizado de forma irregular.
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O Incra solicitou o cancelamento do negócio devido a uma Lei Federal que limita o tamanho de propriedades adquiridas por estrangeiros. A Fazenda Novo Macapá possui uma área de 190 mil hectares, o que torna o terreno maior que a cidade de São Paulo que possui 150 mil hectares.
A dona original da terra é a empresa Batisflor, que era do brasileiro Moacir Eloy Crocetta. A madeireira Agrocortex comprou partes da Batisflor em 2014 e 2016, portanto assume também parte do terreno. Porém, o problema é saber quanto da terra foi comprado pelos estrangeiros. O Incra diz que foi 100%, entretanto, a Agrocortex afirma que é dona só de 49% do negócio.
A Agrocortex é uma sociedade entre empresas europeias. São duas empresas espanholas (ADS e Kendall, ambas com sede em Madri) e duas empresas controladas por portugueses (R Capital, com sede em Sintra, e Agroview, empresa com sede no Brasil, que tem dois sócios: a Parcontrol, empresa com sede em Lisboa, e um empresário português.
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O grupo estrangeiro alega que o sócio majoritário da empresa cainda é o empresário brasileiro Moacir Crocetta. Os europeus alegam também que suas atividades estão de acordo com a lei e que todas as informações estão sendo prestadas às autoridades competentes.
O empresário brasileiro Moacir Crocetta, declara que não tem mais influência sobre as terras. De acordo com sua defesa, o empresário afirma que concordou em vender toda a empresa aos portugueses e espanhóis da madeireira Agrocortex. Segundo Crocetta, a venda foi por R$ 250 milhões, porém a Agrocortex não pagou tudo. A madeireira não revelou quanto pagou pela terra. Entretanto o empresário também não revelou quanto recebeu.
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Oficialmente, na Junta Comercial, a Agrocortex possui mesmo os 49%. Crocetta diz que, como não houve o pagamento total, ele não transferiu todas as cotas da Batisflor à Agrocortex. Por isso, na Junta, os estrangeiros continuam com apenas 49%. Mas a venda foi de 100%, diz a documentação apresentada ao Incra.
Conforme relatório do Incra, a Agrocortex usou subterfúgios para contornar a restrição, segundo o órgão, há indícios de que a empresa tenha firmado um contrato de parceria de fachada com a brasileira Batisflor. O Incra diz que existem vestígios que o contrato denominado de parceria tenha sido celebrado apenas para contornar as leis restritivas, uma vez que se trata de contrato celebrado entre empresas com controle comum estrangeiro.
Agrocortex dos estrangeiros (portugueses e espanhóis) exportam madeira nobre da Amazônia para exportação. Dentre as espécies exploradas estão: mogno, cedro, jatobá, cumaru, garapa e cerejeira. A empresa diz que a madeireira respeita o meio ambiente, afirmando que a ideia é “nunca exaurir os recursos naturais e ainda contribuir para a regeneração da floresta”.
A empresa também alega que suas operações são aprovadas pelo Ibama e certificadas pela ONG Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês). Diante das alegações da empresa estrangeira, o IBAMA foi procurado para comentar as informações e não respondeu.
A Ong FSC declara que suas certificações são válidas por cinco anos e que a certificação da Agrocortex vale até 2025. A “Organização Não Governamental” também disse que certificadoras independentes fazem auditorias anuais de monitoramento das empresas certificadas. O Incra declarou que não analisou o uso da terra, apenas a documentação sobre a propriedade.
Segundo a Agrocortex, a propriedade tem mais de 90% de sua área preservada. De acordo com a lei, a empresa pode explorar por vez apenas 3% da área adquirida, deixando os outros 97% preservados. A Agrocortex diz que cerca de 3% da propriedade (do tamanho do bairro de Tremembé, em São Paulo) destina-se a comunidades locais, ribeirinhos e originários. No parecer da AGU, a terra é classificada como uma “propriedade gigantesca na Floresta Amazônica”.
A empresa Agrocortex também alega ter sua “agenda verde”, onde a mesmo também vende créditos de carbono. O modelo do crédito de carbono permite que quem planta árvores ou adota práticas sustentáveis de manejo do solo, por exemplo, recebe dinheiro de empresas, a fim de compensar as emissões de carbono da compradora.
A compra de terras da União (território brasileiro) é restringida para estrangeiros desde a década de 70 através da lei no 5.709, de 7 de outubro de 1971. De acordo com o professor da Universidade Federal do Pará e especialista em Amazônia e regularização fundiária José Heder Benatti, explica que o objetivo é garantir a soberania nacional e evitar a insegurança alimentar.
O Incra recebeu uma denúncia anônima sobre o caso e após analisar a documentação apresentada e solicitar parecer da Advocacia Geral da União, a instituição concluiu que a venda deve ser considerada nula, através de um ofício assinado em dezembro de 2022 pelo superintendente do Incra no Amazonas, João Batista Jornada.
O professor universitário também alega que a ideia da lei, define uma preocupação de que, se houver uma crise ambiental, ou uma crise de fornecimento mundial, o país possa ter uma política voltada para sua produção e mercado interno. Conforme Heder, para que a empresa possa adquirir a fazenda de maneira legal, é necessário ter autorização do Incra. Para isso, a empresa precisaria fazer o pedido ao Incra com a documentação da fazenda e apresentar um projeto de exploração da terra aos órgãos competentes.
O Incra enviou ao Tribunal de Justiça do Amazonas e ao Ministério Público Federal em dezembro o pedido de anulação da compra da terra pela Agrocortex. A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Amazonas poderá declarar a venda da propriedade como nula. O MPF deve analisar eventuais prejuízos à sociedade. A Corregedoria ainda não tomou uma decisão sobre o caso.